Tereza Bicuda era uma moça de lábios grossos que lhe valeram
o apelido de bicuda. Morava em Jaraguá, no Larguinho de Santana. Pessoa de maus
bofes, tratava a mãe de forma absolutamente cruel: botava a velha para mendigar
nas ruas, batia nela, humilhava. Um dia, chegou ao extremo da maldade e, diz o
povo, colocou um freio de cavalo na bocada genitora, montou, e nela andou
montada à frente de todo o povo. Aquilo foi demais: a pobre mulher morreu mas,
antes, excomungou a filha desnaturada.
No meio religioso e de extrema moralidade da antiga Vila de
Jaraguá, Tereza Bicuda era uma aberração social. Descrente, nunca visitava a
igreja.
Quando era forçada a passar diante de alguma, virava o rosto
e praguejava baixinho. Trabalhava aos domingos. Pra que o povo visse que não
respeitava as tradições eclesiásticas.
Era a ofensa à consciência das velhas beatas, que
diariamente frequentavam as igrejas e capelas de Jaraguá.
Um dia, Tereza Bicuda morreu.
Nem uma lágrima surgiu de algum olho cristão. Não merecia
lágrimas nem piedade quem não soubera viver e não chamara o padre no seu último
momento.
Era costume colonial enterrar os defuntos no corpo das
igrejas. A capelinha do Rosário, situada ao sopé de suave colina, sempre fora a
depositária dos corpos pobres, que não podiam ter o luxo de serem enterrados
dentro da matriz. Na capelinha do Rosário foi então enterrada Tereza Bicuda,
sem cerimônia preliminar.
Por três noites consecutivas, ao soar da meia-noite, a
população ouvia medrosa os gritos que soltava Tereza Bicuda pedindo que
retirassem o seu corpo de dentro da capelinha. Ali não era o seu lugar na
morte, como não fora em vida. À meia-noite em ponto, Tereza Bicuda saía do seu
túmulo e percorria as ruas quietas da vila, gritando desesperadamente.
O terror gelava os que a ouviam. Daquela noite em diante, os
notívagos viam sempre surgir lá no fim da rua um imenso vulto branco a correr,
deixando cair das suas vestes sujas línguas de fogo, que enchiam o ar do cheiro
desagradável de enxofre. Por onde passava, iam ficando os vestígios de seus
pecados.
A grama queimada ou secava. Os animais traziam pêlos
sapecados.
O povo quis pôr um termo ao martírio que vinham sofrendo. E
os homens mais corajosos da vila exumaram Tereza Bicuda e levaram seu corpo, já
em vermes, para a serra de Jaraguá.
Ali, num lugar pedregoso o jogaram. Um forte cheiro de
enxofre enchia o ar.
No local numa mais surgiu uma planta, mas também Tereza
Bicuda não mais aterrorizou com seus gritos a pacata população jaraguarense.
"Na Serra de Jaraguá existe ainda o local onde dizem
que ela foi enterrada, onde hoje há uma cruz de madeira. As pessoas dizem que
lá possui um pé de caju assombrado e se você tentar pegar os frutos da árvore
será atacado por um enxame de abelhas. Além disso, dizem também que nas noites
de lua cheia se você tentar subir na Serra a própria Tereza Bicuda aparecerá
pra você e lhe montará como ela fez a sua mãe.
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