quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Lenda - PÉ-DE-GARRAFA


          O Vão do Paraná, aquele grande vale de sessenta léguas, formado pelas ramificações que correm para o Norte do Estado do espinhaço da Serra Geral, é o "habitat" do Pé-de-Garrafa. Coberto de extensas florestas, verdadeiras muralhas verdes que abrigam os cursos dos rios, o Vão do Paraná é uma região misteriosa, em que o homem se sente assoberbado pela natureza. Metido na mata sombria, remendada aqui e ali por pedacinhos do céu azul, o homem sente-se penetrado do terror da natureza.

             E o estalido da folha seca que o mateiro pisou cauteloso, o pio agudo dum pássaro, o farfalhar das mantilhas de folhagens seguras do ombro alto dos troncos, ao sopro do vento - o fazem estremecer e arrepiar.

             A mata com seu exército de troncos impassíveis, com seus ruídos misteriosos estofados de silêncio, é deveras assombrosa. A imaginação aí fervilha. E o terror cria duendes e gênios, que povoam os recessos intrincados e sombrios e trançam nas encruzilhadas dos caminhos. Se o caminheiro topa dois galhinhos cruzados em seu trilho, salta-os se benzendo - foi o Saci que os dispôs assim no caminho.

             Se o ouvido alerta escuta um grito agudo, estaca anelante, pálido. Repetindo, retrocede apavorado - é o Pé-de-Garrafa - o gênio mau da mata, corpo de homem, preto, umbigo branco, um pé só em forma de fundo de garrafa. Vive gritando pelas matas à procura de caminho. Não se deve responder, senão vai aproximando, aproximando... e ninguém sabe, mas deve suceder algo horrível. Habita só as matas fechadas. Lenhadores, caçadores e viajeiros, já ouviram seus gritos pavorosos; ou pularam agoniados seus grandes rastros no chão úmido.


             Outros entretanto informam que o Pé-de-Garrafa é assim: tem um chifre só na cabeça, um olho só na cara, uma única mão, com garras, e um pé só redondo como fundo de garrafa, que lhe dá o nome. Se alguém o encontrar, declaram estes informantes, é um perigo: torna-se uma fera terrível e só se pode acertar o tiro no umbigo, único ponto branco e vulnerável.

             Contam até que um fazendeiro, passando por uma, mata vizinha de sua fazenda, ouviu o grito do Pé-de-Garrafa. Como era valente e não temia nada, respondeu, com outro grito. O grito então veio se aproximando, aproximando, cada vez mais forte, mais pavoroso, até que o fazendeiro horrorizado, esporeou o animal, abalando pela estrada a fora, à toda, chegando esbaforido à fazenda, onde contou o caso.


               Esta lenda, das mais famosas do Nordeste colhi-a em Formosa. Segundo constatei por informações de diversos conhecedores do Norte e Leste, ela é corrente entre as populações destas regiões. A. Americano se refere, de passagem, a este mito, à página 49 de seu livro Lendas e Encantamentos do Sertão: "O homem indignou-se e disse que fosse buscar quem quer que fosse, rico ou pobre, até mesmo o Pé-de-Garrafa, se o encontrasse". Não é restrita, pois, ao Estado do Piauí, onde primeiro foi colhida por Vale Cabral, segundo pensou um eminente folclorista. O acadêmico Gustavo Barroso afirma mesmo que já a ouviu alhures. Sua área geográfica deve ser portanto bem maior.


          TEIXEIRA, José A. Folclore Goiano: cancioneiro, lendas, superstições. 2ª ed. Rev. e ampl. Vol. 306. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1959.




Matéria:  Leitora  Pepita Afiune

Meus sinceros Agradecimentos.


Romãozinho - A criança maldita


          A lenda do Romãozinho conta a história de um menino, filho de um humilde agricultor, que mesmo quando era apenas um bebê, já demonstrava sinais de ruindade extrema. Dizem que antes mesmo de aprender a falar, Romãozinho mordia quem colocasse a mão em seu rosto assim como mordia o peito de sua mãe, quando está tinha que o amamentar.  Já maior, na infância, sempre gostou de maltratar os animais, destruir plantas e prejudicar as pessoas.

          Certa vez, sua pobre mãe mandou-o levar o almoço ao pai, que trabalhava longe de casa, na roça. Ele foi de má-vontade (nunca foi de seu feitio fazer nada que não ganhasse algo em troca). No meio do caminho, ele comeu a galinha que era destinada a ser o almoço de seu pai, colocou os ossos na marmita e levou-a assim mesmo. Quando o pai viu só ossos ao invés da galinha assada, ele perguntou o que aquilo significava. Romãozinho, maldosamente, disse: "Deram a mim a comida já assim ... Eu penso que minha mamãe comeu a galinha com o homem que vai sempre a nossa casa quando o senhor sai para trabalhar, e enviou-lhe somente os ossos como deboche do senhor".


          Enlouquecido de fúria e ódio, o homem voltou correndo para casa, não deu nem ao menos tempo para a mulher desmentir o filho, puxou o punhal e a matou ali mesmo. E Romãozinho, mesmo testemunhando a morte da mãe não desmentiu o que havia falado para o pai. E enquanto a mãe agonizava no chão, o menino ainda ria dela e de como havia sido esperto enganando a todos. Mas antes de morrer, a mãe amaldiçoou o filho, dizendo: "Você não morrerá nunca! Você não conhecerá o céu ou o inferno, nem repousará enquanto existir um vivente sobre a terra! Seu tormento será eterno"!

          Romãozinho não se intimidou, riu mais uma vez ante a maldição e foi embora. Vendo o mal que havia feito e de como tinha sido enganado, o pai se suicidou. Desde esse dia o menino nunca mais cresceu, e dizem os populares que ele costuma andar pelas estradas e fazer travessuras com os coitados que possuem o azar de cruzar com ele. Tem por hábito quebrar as telhas das casas a pedradas, assustar os homens e torturar as galinhas.

          Mas algumas pessoas também atribuem a ele coisas boas. Há uma história que diz que uma mulher grávida estava sozinha quando entrou em trabalho de parto, e no desespero chamou por Romãozinho, e este atendeu ao chamado, foi à casa da parteira que depenava uma galinha. Conta a mulher que a galinha de repente saiu da sua mão voando. A parteira saiu correndo atrás e a galinha foi jogada na casa da mulher que estava em trabalho de parto (Até para fazer o bem, Romãozinho tortura).

          A lenda do Romãozinho é bastante conhecida no leste da Bahia, em toda Goiás, parte do Mato Grosso e também no  Maranhão.Conta-se que os primeiros relatos desse mito são do distrito de Boa Sorte, município de Pedro Afonso, em Goiás, que faz fronteira com o Maranhão, e dataria do século XX.


          Existem diversas versões sobre a história de Romãozinho. Em algumas ele teria matado o pai de susto, já em outras, sua mãe teria vivido e amaldiçoado o filho posteriormente a morte do pai. Existe ainda uma versão em que dizem que o menino também vira uma tocha de fogo que fica indo e vindo pelos caminhos desertos. Já outros, dizem que ele seria o próprio Corpo-Seco, lenda esta que nós já publicamos aqui no blog. Nesta versão, a alma do menino seria tão ruim, mas tão ruim, que nem o céu nem o inferno o quiseram, por essa razão ele vaga pelo mundo assustando as pessoas.





Anfitrite

Louco, às doudas, roncando, em látegos, ufano,
O vento o seu furor colérico passeia...
Enruga e torce o manto à prateada areia
Da praia, zune no ar, encarapela o oceano.

A seus uivos, o mar chora o seu pranto insano,
Grita, ulula, revolto, e o largo dorso arqueia;
Perdida ao longe, como um pássaro que anseia,
Alva e esguia, uma nau avança a todo o pano.

Sossega o vento; cala o oceano a sua mágoa;
Surge, esplêndida, e vem, envolta em áurea bruma,
Anfitrite, e, a sorrir, nadando à tona d'água,

Lá vai... mostrando à luz suas formas redondas,
Sua clara nudez salpicada de espuma,

Deslizando no glauco amículo das ondas.

Francisca Júlia


Angústia

Uma sede cruel reina no meu coração;
Nunca tinha imaginado que este inteiro mundo,
Calcado na mão de Deus, pudesse dar
Uma tão amarga essência de inquietação,
Uma dor grande como aquela que agora a saudade
Retirou de seu tremendo coração, aberto!

Cada respiração é um gemido,
As batidas de meu coração são toques de dor,
E meu cérebro tem um único pensamento
Que nunca mais, pela vida toda poderei novamente
(Exceto na dor da lembrança)
Tocar tua mão, que agora não existe mais!

No vazio da noite procuro,
Sombriamente chorando teu nome;
Mas tu não estás lá; e o vasto trono da noite
Se torna uma enorme catedral
Com as estrelas que tocam como sinos na minha direção,
Que no espaço infinito sou o ser mais só!

Sedento, rastejo para a margem,
Onde certamente algum alívio me será oferecido
Do coração eterno do antigo mar;
Mas olha! De sua solene profundidade
Vozes longínquas, misteriosas
Parecem perguntar porque estamos separados.

Onde vá, estou só
Eu que por algum tempo, graças a você, possuía o mundo.
Meu peito é uma dor raivosa
Por aquilo que uma vez já foi e agora fugiu
No vazio onde a vida se precipita

Onde cada coisa não existe mais, nem existirá.

William Hope Hodgson


terça-feira, 4 de agosto de 2015

Combustão Espontânea Humana


           Em 1663, o físico dinamarquês Thomas Bartholin descreveu uma mulher que “ardeu em chamas e fumaça” enquanto a cama de palha em que estava deitada permaneceu intacta. O estranho incidente, que aconteceu em Paris, é tido como o primeiro registro de um fenômeno que hoje conhecemos – mas que não compreendemos – como combustão espontânea.
A combustão humana espontânea é o nome dado ao raro acontecimento em que uma pessoa queima até virar cinzas, sem causa externa aparente para a ignição.

Características

           A maioria dos 200 casos conhecidos de combustões humanas espontâneas (CHE) têm características similares.
Primeiro, o corpo é quase completamente incinerado enquanto a maior parte da área ao redor permanece intocada; apenas o corpo, o chão embaixo e o teto logo acima são afetados.
A segunda característica comum é que o torso é a parte mais consumida pelas chamas, com os possíveis restos pertencentes às extremidades.
           A terceira é que assim como não há evidência externa de ignição, também não há anda que supostamente tenha acelerado ou começado o fogo.
Finalmente, a vítima está normalmente sozinha, e em casa, quando encontra o fogo mortal. E geralmente são reconhecidas como vivas quando o fogo começou, mesmo que não sejam comuns sinais de luta.


           Há diversas teorias para explicar o fenômeno: explicações paranormais e naturais, envolvendo causas mais ou menos verificáveis.
           Entre as explicações naturais mais plausíveis está a ideia de que as vítimas – que tendem a ser idosas, enfermas ou obesas – estão dormindo, ou imóveis, ou ainda mortas por algo como um ataque do coração, e acionam alguma fonte de fogo – comumente um cigarro derrubado.
           Uma hipótese conhecida como o “efeito pavio” sugere que alguma faísca externa ou chama queima as roupas da vítima o suficiente para chegar à pele. A pele então libera gordura, que age de modo similar à cera da vela. O efeito foi testado e concluíram que o corpo humano contém gordura suficiente para garantir a própria combustão.


           Outros estudiosos da combustão humana espontânea têm suas próprias teorias, baseadas em explicações mais “loucas”. Uma delas sugere que partículas como os raios gama causam uma CHE, em uma reação livre de oxigênio – mas como isso acontece e de onde vem a energia é um mistério.
           Outra explicação ainda não testada é a de que níveis anormais de álcool no sangue atingem o ponto de pegar fogo espontaneamente. Mas os níveis de concentração alcoólica necessários para tanto faz a teoria impossível.
           Uma terceira ideia é de uma faísca de um acúmulo de eletricidade estática, que inicia o fogo nas roupas da vítima. Mas isso soa pouco plausível para os infernos mortais que tiraram a vida de centenas de pessoas.


7 – Mary Hardy Reeser (1951)

           Em 1951, na Flórida, os restos carbonizados de Mary Reeser, de 67 anos, foram encontrados na cadeira em que ela estava sentada, com nada mais fora o crânio, parte do pé esquerdo e o osso da coluna. Mesmo com o corpo quase completamente incinerado, houve pouco dano à sala – nada esperado para um incêndio típico.
O chefe de polícia local, J. R. Reichet, enviou uma caixa com evidências para o FBI, junto com uma nota: “Pedimos informações ou teorias que possam explicar como um corpo humano pode ser tão destruído, o fogo confinado a uma área tão pequena e tão pouco dano à estrutura do prédio, e a mobília do quarto nem mesmo chamuscada pela fumaça”. O FBI respondeu com a teoria do pavio – um cigarro gerou o fogo.

6 – John Irving Bentley (1966)

           John Irving Bentley era um físico de 92 anos da Pensilvânia, encontrado morto em seu banheiro, queimado até a morte. A única sobra do corpo de Bentley foi a metade inferior da perna direita, com o pé ainda usando um chinelo. O corpo queimou tanto que as sobras foram parar no porão, embaixo do banheiro. Um teórico acredita que as cinzas do cachimbo de Bentley caíram nas suas roupas e os fósforos no bolso ajudaram no resultado. O que parece ser um jarro de água quebrado estava na banheira, sugerindo que Bentley tentou apagar o fogo, mas morreu antes de conseguir.

5 – Henry Thomas (1980)

           Henry Thomas, de 73 anos, foi encontrado na sala de sua casa em Wales quase que completamente incinerado – exceto pelos seus pés calçados e pernas abaixo dos joelhos, e o crânio. Metade da cadeira onde estava também foi destruída, e o calor derreteu o controle da televisão.
O policial John E. Heymer comentou que “a sala estava inundada por uma luz laranja, que vinha das janelas e de uma lâmpada. Essa luz é o resultado da luz do dia e da eletricidade sendo filtradas por gordura humana evaporada e condensada nas superfícies. O restante da casa estava completamente intacto”. A equipe forense afirmou que a morte foi resultado do efeito pavio, sugerindo que Thomas caiu na lareira e sentou-se de novo. Entretanto, Heymer discorda, dizendo que o oxigênio na sala fechada não iria permitir o efeito, e ainda lembrou-se das bordas da calça da vítima – “que pareciam queimadas por um laser”.

4 – George Mott (1986)

           Apenas um crânio encolhido e uma costela foram encontrados depois que George Mott, um bombeiro nova-iorquino de 58 anos, queimou até virar cinzas, junto com a cama onde estava deitado. Investigadores lançaram a ideia de que um arco elétrico e um vazamento de gás tinham causado as chamas. Mott era conhecido como um fumante e bebedor pesado, e não estava com a máscara de oxigênio que costuma usar.

3 – Jeannie Saffin (1982)

           Um dos poucos casos de combustão espontânea em que uma testemunha esteve presente é o de Jeannie Saffin, uma mulher de 61 anos com idade mental de seis. Saffin estava sentada com o pai, de 82 anos, na casa deles, em Londres, quando, de acordo com o testemunho do homem, ele percebeu de relance um raio de luz.
           Quando se virou para a filha, ele a viu coberta de chamas mas sem movimento ou qualquer tentativa de apagar o fogo. Ele tentou apagar o fogo, machucando as mãos no processo. Jeannie sofreu queimaduras de terceiro grau na parte superior do corpo, mas morreu uma semana depois, enquanto estava no hospital.

2 – Michael Faherty (2010)

           O irlandês Michael Faherty, de 76 anos, foi encontrado morto, com a cabeça perto da lareira, em sua sala. Os danos no local estavam limitados ao teto acima de sua cabeça, o chão logo abaixo, e o corpo, totalmente incinerado. A polícia, entretanto, não acreditou que a lareira foi a causa do incêndio. O coronel afirmou que “esse fogo foi investigado e eu fico com a conclusão de que isso entra na categoria de combustões humanas espontâneas, para a qual não há explicação adequada”. Outros acreditam que as cinzas do fogo tenham sido responsáveis.

1 – Robert Bailey (1967)


           Em um estranho caso de combustão espontânea em Londres, um passageiro de ônibus avistou chamas azuis na janela de um apartamento superior e presumiu ser um jato de gás. A testemunha chamou o corpo de bombeiros, e Robert Bailey, um homem de rua, foi encontrado morto nas quentes escadarias do prédio. Um bombeiro afirmou que as chamas azuis – extinguidas com uma mangueira – estavam vindo de uma fenda no abdome de Bailey, que ainda estava vivo quando começou a queimar.




Anjo Caído

Na flor da vida, formosa,
ingênua, casta, inocente,
eras tu no mundo, rosa!
Quem te arrojou de repente
para o abismo fatal?
Viste um dia o sol de abril;
o teu seio virginal
sorriu alegre e gentil.

Ergueu-se aos clarões suaves
d'aquela doce alvorada
a tua face encantada.
Amaste o doce gorjeio
que desprendiam as aves,
e no teu cândido seio
quanto amor, quanta ilusão
alegre pulava então.

Mal haja o fatal destino,
maldita a sinistra mão,
que em teu cálix purpurino
derramou fera e brutal
esse veneno fatal.

Hoje és bela; mas teu rosto
que outrora alegre sorria,
é todo melancolia!
Hoje nem sol, nem estrela,
para ti brilha no céu;

        mal haja quem te perdeu!


Bulhão Pato

Anjo do Túmulo

Não ames nunca a palidez do anjo
Que as lousas guarda na mansão extrema;
No berço mudo que revela a morte
Deixa-o à noite que suspire e gema.

Deixa-o mil prantos derramar saudoso
Sobre o lajedo d'uma lousa nua;
Enquanto à noite o manto negro estende,
Ou cisma triste e solitária a lua.

A rosa branca que perfuma o ambiente,
Que à tarde pende nesse chão de dores,
Talvez mais risos of'recer-te possa
Do que o anjo de mortais palores.

Não ames nunca a palidez do anjo
Que as lousas guarda na mansão extrema;
Alma evocada do final jazigo
Deixa-a à noite que suspire e gema.

Esse anjo!... esse anjo!... Quando o vento geme,
E as flores pendem no gentil rosal,
Dizem que as almas dos jazigos surgem
E correm tristes na extensão do val?...

Esse anjo... esse anjo!... Quando do salgueiro
Se vergam ramos e mais zune o vento,
Dizem que as almas o jazigo deixam
E formam choros de eternal lamento?

O corpo dorme; mas a alma errante
Vaga na terra sem cessar saudosa:
E une-se aos ventos, ao quebrar das ondas,
Paira nos ares a gemer queixosa?...

Não ames nunca a palidez do anjo
Que as lousas guarda na mansão extrema;
Alma evocada do final jazigo
Deixa-a à noite que suspira e geme.

Deixa-a... que gema! - No sorrir da morte
Que desse arcanjo vem turvar o enleio,
Há um quê de triste que nos faz ter prantos
Cismas e sonhos, e nos gela o seio...

Lívido lábio, sem um riso alegre,
Quanto mistério não contém, não diz?
Ai quando sonho não 'stá ali já morto,
Quanta esperança dum porvir feliz?
...........................
Esse anjo... esse anjo! - Deixa-me na terra
Guardar saudades de alegria extrema,
Gozada n'outro tempo!... e sobre o túmulo

Deixa-me à noite que supire e gema!

Júlia da Costa


Anjo no Exílio

Há no mundo, talvez, embora o neguem,
Criaturas de Deus que o mundo enjeita;
Ela que o diga – a filha da tristeza
                Que cultos não aceita?...

Ela – que tem o lábio descorado,
E os pretos olhos tristemente rindo;
Ela – que chora às vezes de joelhos,
                Não sei o que pedindo!

Ela – que tem a palidez angélica,
Veias de azul na transparente alvura;
Ela talvez – que ressuscita
                Em pé na sepultura!

Ela – que move o corpo molemente
Como o arbusto que o vento vai dobrando;
Ela – tão pensativa – que já dizem
                Que só vive sonhando!

Ela – que envolta num vestido branco
Parece um serafim de asas de neve;
Ela – que passa, como o som d'aragem
                Tão fugitiva e breve!

Quem nega haver no mundo anjos celestes
Veja-a no templo – sim... que a veja um dia,
Com o seu livro dourado – os olhos baixos,

                E diga que não cria!......

José Bonifácio de Andrada e Silva, o Moço


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A Pisadeira


A Pisadeira é uma lenda do folclore brasileiro, muito popular no interior dos estados de Minas Gerais e São Paulo.

De acordo com esta lenda,  Pisadeira é uma mulher de aparência assustadora. Ela e alta e magra, possui unhas grandes em dedos compridos e secos, olhos vermelhos e arregalados, nariz comprido para baixo e queixo grande.
De baixa estatura, a Pisadeira é também descrita com cabelos brancos desgranhados. Seu olhar transmite algo de maligno, assim como suas gargalhadas que mostram seus horríveis dentes verdes.

De acordo com a lenda, a Pisadeira passa grande parte do tempo nos telhados das casas. Ela fica observando o movimento dentro das casas. Após o jantar, quando alguém vai dormir de barriga cheia ela entra em ação. Sai de seu esconderijo e pisa no peito da pessoa, deixando-a em estado de paralisia. Porém, a vítima da Pisadeira consegue acompanhar tudo de forma consciente o que traz grande desespero para a pessoa, pois nada consegue fazer para sair da situação.


Curiosidade:

- Esta lenda está relacionada com o fato de que muitas pessoas tem sono conturbado, com pesadelos, quando vão dormir após fazer uma refeição pesada.

OUTRAS VERSÕES


Conta-se que a Pisadeira é uma velha com garras compridas e de aparência medonha que surge no meio da noite e pisa sobre a barriga das pessoas, tentando asfixia-las.
Considerada a verdadeira personificação do pesadelo, essa lenda de origem brasileira é muito popular no estado de Minas Gerais e São Paulo.

 A Pisadeira é descrita também como uma mulher muito magra, com dedos compridos e secos, unhas enormes, sujas e amareladas. Tem as pernas curtas, cabelo desgrenhado, nariz enorme com muitos pelos , como um gavião. Os olhos são vermelho fogo, malignos e arregalados. O queixo é revirado para cima e a boca sempre escancarada, com dentes esverdeados e à mostra. Costuma sempre gargalhar. Uma gargalhada estridente e horripilante.

Conta a lenda que a Pisadeira fica rondando em cima dos telhados das casas a noite observando os movimentos dentro das residências e ataca sempre que vê a oportunidade. Geralmente o ataque ocorre pós o jantar, quando o infeliz vai dormir de barriga cheia, essa é a hora preferida da velhinha macabra entrar em ação. Sai de seu esconderijo, entra no quarto (sem nunca ser vista por ninguém da casa) e pisa no peito da pessoa, deixando-a em estado de paralisia. Porém, a vítima da Pisadeira consegue acompanhar e ver tudo de forma consciente o que traz grande desespero para a pessoa, pois fica totalmente impotente frente ao ataque da pisadeira.


Apesar de sua aparência quase esquelética, a Pisadeira apresenta um peso descomunal, assim como uma força muito grande para alguém de seu porte físico. Algumas pessoas que foram atacadas pela Pisadeira afirmaram não terem visto nada, só sentindo a presença e o peso da criatura. Já outros relataram terem sentido e visto o ser em toda a sua feiura característica. As vítimas contam também que enquanto a Pisadeira os asfixiava costumava emitir enormes gargalhadas de prazer. E para o pavor das vítimas, somente elas puderam escutar, as outras pessoas da casa relatam não terem escutado nada, somente o grito de desespero da vítima quando a Pisadeira cessava o ataque.

O tempo de duração do ataque costuma variar bastante, de poucos segundos há alguns muitos minutos e em alguns casos até mesmo horas. Existem muitas mortes ocorridas enquanto as pessoas estavam dormindo que são associadas a Pisadeira.

Mesmo os sortudos que conseguem se desvencilhar do assustador ataque não podem baixar a guarda nunca, já que a entidade se alimenta do medo deles. Portanto, a chance de ocorrer um segundo ataque é grande.






A Pisadeira é uma velha de chinelos que surge no meio da noite e pisa sobre a barriga das pessoas, provocando falta de ar. Personificação do pesadelo, geralmente “ataca” quando as pessoas comem demais e vão dormir com o estômago cheio.

De acordo com a lenda a Pisadeira passa grande parte do tempo nos telhados das casas. Ela fica observando o movimento dentro das casas. Após o jantar, quando alguém vai dormir de barriga cheia ela entra em ação.

Sai de seu esconderijo e pisa no peito da pessoa, deixando-a em estado de paralisia. Porém, a vítima da Pisadeira consegue acompanhar tudo de forma consciente o que traz grande desespero para a pessoa, pois nada consegue fazer para sair da situação.



"Esta é ua muié muito magra, que tem os dedos cumprido e seco cum cada unhão! Tem as perna curta, cabelo desgadeiado, quexo revirado pra riba e nari magro munto arcado; sombranceia cerrado e zóio aceso... Quando a gente caba de ciá e vai durmi logo, deitado de costa, ele desce do teiado e senta no peito da gente, arcano... arcano... a boca do estámo... Purisso nunca se deve dexá as criança durmi de costa."
(Cornélio Pires. Conversas ao pé do fogo)

Ela vive pelos telhados, sempre à espreita. Quando se janta e vai dormir com a barriga ainda cheia, deitando-se de barriga para cima, é chegada a hora da pisadeira entrar em ação. Ela desce de seu esconderijo e senta-se ou pisa sobre o peito da pessoa adormecida. E pisa, que pisa, com um peso infernal. Não há o que se possa fazer e o pior é que, na verdade, a vítima tem consciência de tudo o que está ocorrendo, pois entra em um estado letárgico onde não está nem totalmente adormecida, nem acordada a ponto de se mover e despertar.

A pisadeira é uma mulher muito magra -- Alceu Maynard Araújo a descreve como uma negra gorda, muito pesada, -- que tem os dedos compridos e secos, com unhas enormes, sujas e amareladas. As pernas são curtas e o cabelo desgrenhado. Um narigão, magro e muito arcado como um gavião. Os olhos são vermelho fogo, malignos e arregalados. O queixo é revirado para cima e a boca sempre escancarada, com dentes esverdeados e à mostra. Nunca ri, gargalha. Uma gargalhada estridente e horripilante.

  
É mito de origem portuguesa que ocorre em São Paulo e parte de Minas Gerais. Entretanto, a crença que uma intervenção maléfica de um fantasma ou demônio seja a causa do pesadelo é comum a quase todos os povos do planeta desde os tempos da Antigüidade. Em Portugal, é o fradinho da mão furada. No Nordeste brasileiro, os sertanejos acreditam numa velha ou num velho de barba branca que vem lhes arranhar o rosto durante o sono.

A PISADEIRA E A CIÊNCIA

Na cultura brasileira, a paralisia do sono pode ter originado a lenda da Pisadeira, segundo a qual, durante o sono, uma mulher lendária pisa sobre o peito da pessoa que está dormindo, enquanto esta vê tudo e não pode fazer nada.

Paralisia do sono é uma condição caracterizada por uma paralisia temporária do corpo imediatamente após o despertar ou, com menos frequência, imediatamente antes de adormecer.

Com frequência, a paralisia do sono é vista pela pessoa afligida como nada mais do que um sonho. Isto explica muitos relatos de sonhos nos quais as pessoas se vêem deitadas na cama e incapazes de se mover. As alucinações que podem acompanhar a paralisia do sono tornam mais provável que as pessoas que sofram do problema acreditem que tudo não passou de um sonho, já que objetos completamente fantasiosos podem aparecer no quarto em meio a objetos normais.

Os sintomas da paralisia do sono incluem:

Imobilidade: Ocorre pouco antes da pessoa adormecer ou imediatamente após despertar. A pessoa não consegue mover nenhuma parte do corpo, nem falar, apesar de exercer, por vezes, controle mínimo sobre certas partes do corpo (como boca, olhos e mãos) e sobre a respiração. Esta paralisia é a mesma que acontece quando uma pessoa sonha. O cérebro paralisa os músculos para prevenir possíveis lesões, já que algumas partes do corpo podem se mover durante o sonho. Se uma pessoa acorda repentinamente, o cérebro pode pensar que ela ainda está dormindo, e manter a paralisia.

Percepções: São alucinações experienciadas pela pessoa paralisada, que, por assimilarem-se aos sonhos, acabam sendo confundidas com os mesmos. Como o a consciência durante esses eventos não é plena, não é possível determinar exatamente o que é real e o que não é. Algumas pessoas relatam visões e sons estranhos, outras a sensação peso no peito, como se alguém ou algum objeto pesado estivesse pressionando-o. Há também aqueles que relatam terem saído do corpo, ou até "flutuado".


Estes sintomas podem durar de alguns poucos segundos até vários minutos e podem ser considerados assustadores para algumas pessoas.






Anjo-Demonio

É noute de saráo; referve a dança:
E ei-la alegre a sorrir, e as tranças d'ebano
A leve ondulação do esbelto corpo
Paracem-lhe seguir na doida walsa:
A veste assetinada oscilla e vôa,
Dos breves, lindos pés imita o giro,
Que ligeira perfaz em torno a sala:
O passo é tão veloz, que o bello rosto
Não posso contemplar, nem ver-lhe os traços.

Mas ei-la que parou, parou a dança;
Bate-lhe o coração, lhe arqueja o peito
Do cansaço da walsa, a voz lhe treme,
Em suspiros s'esvai, em mudas phrases;
Nas faces vem nascendo rubras rosas,
Nos labios de coral descobre perolas:
Tem nos olhos volcão, candor na mente,
No semblante reflecte sancta essencia,
O collo amorenado espelha o jambo

Mulher, mulher, espera, espera um pouco,
Não me volvas por piedade os olhos:
Eu temo enlouquecer, arde-me a fronte.
Mulher, mulher - quem deo-te a formosura,
Quem nos labios prendeo-te esse sorriso,
Que mofa, que escarnece, que embriaga,
Aos ceos arrebata, arroja ao inferno -
Riso de sarafim, rir de demonio?
É a terra a tua patria ou outra esphera?

Ah! não; não es mulher, tens d'anjo as formas,
Ao involucro da terra não pertences:
A madeixa que roubou da noute as côres
Negra, negra como ella, inda mais bella;
Essa falla de magica duçura
Que os sentidos enleva e prende a alma,
Essa fronte que exprime um paraizo
De edenicos, ardentes pensamentos,
Não podia talhar-se n'este mundo.

Oh! és anjo talvez que transviou-se
Do caminho do céo, desceu á terra,
E na terra queimou as azas brancas,
E agora voltar não pode á patria.
Mas não; anjo não es; teus olhos queimão,
As vezes o teu riso esmaga, opprime,
Quando falla ironia, exprime escarneo;
E olhar de seraphim é sempre terno,
E seu riso é suave, é brando, é meigo.

Ah! já sei o que és: és um demônio
Que o sarcasmo traduz no forte riso,
Porem não; não ardeo-te a fronte linda
N'esse fogo infernal que abraza tudo:
Oh! sim, não; já sei, não és demonio:
D'alma a candidez repelle o Inferno,
O teu rosto é divino, o collo é sancto;
Agora desvendei todo o mysterio,

És typo sem igual - anjo-demonio.


João d'Almeida Pereira Filho

Publicado em 1850 pelo periódico Ensaios Literários.

Annabel Lee

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,

Ao pé do murmúrio do mar.


Edgar Allan Poe

Ante Noctem

Deu-me a Dor um burel; e eu, no claustro sombrio
Da Noite, busco alívio à mágoa que me fere,
Correndo as contas de ais do meu rosário pio,
As mãos em cruz, a orar, num triste miserere...

O vento uiva, o mar geme, anda no espaço um frio
De morte. Quanto horror a noite me sugere!
O Nunca-Mais de Pöe! O eterno desvario
Das sinistras visões do meu Dante Alighieri!

E eu, absorto, a cismar no mutismo da Noite:
- A Tôrre de Marfim da Ventura onde existe?
E o silêncio é um sarcasmo, um irônico açoite...

- Onde êste Bem, Senhor? E o meu ser se confrange
Descobrindo no céu, como um símbolo triste,

O crescente lunar em forma de um alfange...


Da Costa e Silva