João Leite assistiu a uma missa dos mortos.
Morando da sacristia do templo, cuja conservação lhe era
confiada, achava-se deitado altas horas quando ouviu bulha na capela.
Era uma daquelas noites frias e chuvosas de Ouro Preto,
quando em Minas começa o tempo das águas.
Estava com a cabeça debaixo do cobertor e todo encolhidinho
para esquentar-se melhor. Ouvindo os rumores, descobriu-se e viu na nave uma
claridade desusada. Seriam ladrões? Mas o templo era pobre e qualquer ladrão
por mais estúpido, saberia que a capela das Mercês não dispunha de prataria,
nem de qualquer coisa que valesse um sacrilégio.
Enfim, tudo pode acontecer… Estava ainda nessas cogitações
quando ouviu, distintamente cantado por vozes estranhas, o "Deus nos
salve" do começo da ladainha. Ergueu-se e, com uma coragem de que ele
próprio não se julgaria capaz, encaminhou-se pelo corredor até a porta que dava
para a capela-mor.
Penetrando por ela, verificou que a igreja estava toda
iluminada, com os lustres acesos. E apinhada de fiéis. No altar-mor, um
sacerdote devidamente paramentado, celebrava a missa. João Leite estranhou a
nuca do padre, pelada, lisa e branca; não se lembrava de calvície tão completa
no clero de Ouro Preto, que ele bem conhecia.
Os fiéis que enchiam a nave trajavam de preto. Entre eles,
alguns homens de cogula, algumas mulheres de hábito da Irmandade das Mercês.
Todos ajoelhados e de cabeça baixa. Quando o celebrante voltou-se para dizer o
Dominus vobiscum, o zelador viu que o religioso tinha uma simples caveira em lugar
da cabeça.
Assustou ainda mais com aquilo e, reparando melhor nos
assistentes, agora de pé, constatou que os mesmos não passavam de esqueletos
vestidos. Então, correu para a porta ao lado. Essa porta que dava para o
cemitério do adro e, por inútil, vivia fechada com tranca e tramela, estava
agora escancarada para a noite chuvosa, batida pela ventania.
Nenhum comentário:
Postar um comentário