O Papa Figo, ao contrário dos outros mitos, não tem
aparência extraordinária. Parece mais com uma pessoa comum. Outras vezes, pode
parecer como um velho esquisito que carrega um grande saco às costas.
Na verdade, ele mesmo pouco aparece. Prefere mandar seus
ajudantes em busca de suas vítimas. Os ajudantes por sua vez, usam de todos os
artifícios para atrair as vítimas, quer dizer, as crianças.
Para isso vale distribuir presentes, doces, moedas ou
cédulas de dinheiro, brincar fazendo caretas, brinquedos ou comida. Eles agem
em qualquer lugar público ou em portas de escolas, parques, ou locais com pouco
movimento.
Depois de atrair as distraídas vítimas, estas são levadas
para o verdadeiro Papa-Figo, um sujeito estranho, rico, que sofre de uma doença
rara e sem cura. Alguns sintomas dessa doença seriam o crescimento anormal de
suas orelhas ou o corpo leproso.
Diz a lenda, que para aliviar os sintomas dessa terrivel
doença ou maldição, o Papa-Figo, precisa se alimentar do Fígado de uma criança.
Feito a extração do fígado, eles costumam deixar junto com a vítima, uma grande
quantia em dinheiro, que é para o enterro e também para compensar a perda junto
a família.
O Papa-Figo é uma espécie de Lobisomem da cidade. Nunca muda
a forma. É um homem velho, sujo, vestindo farrapos, com ou sem um saco às
costas, ocupando-se em raptar crianças para comer-lhes o fígado ou vendê-lo aos
leprosos ricos. É alto e magro. Conforme a região é pálido, sórdido, com barba
sempre por fazer. Sai à noite, ou às tardes, ao por do sol. Aproveita a saída
das escolas, os parques onde as babás se distraem com os namorados, as praças
ensombradas.
Nesses ambientes atrai as crianças com gestos engraçados, ou
mostrando brinquedos, dando falsos recados ou prometendo levá-las para um local
onde há muita coisa bonita.
Informações Complementares:
Nomes comuns: Negro Velho, Velho do Saco, Homem do Surrão,
etc.
Origem Provável: É um mito universal, e muito comum em todo
meio rural. Acredita-se que a intenção do conto era um alerta às crianças sobre
o contato com estranhos. Nesse quesito, se assemelha ao conto original de
Chapeuzinho Vermelho, cuja ideia por trás da estória, era simplesmente alertar
sobre o perigo do contato com os viajantes, os forasteiros, que não raramente,
costumavam raptar crianças em suas andanças pelas aldeias medievais.
Em abril de 1938 foram presos na cidade de Natal dois
indivíduos de cor que iam levando crianças. Eram pretos de meia idade, doentes,
palúdicos, visivelmente dementes. A polícia resgatou as crianças e mandou-os
embora.
Fatos semelhantes se repetiram em Ceará e Pernambuco. No
interior dos Estados corre a mesma estória, irradiando pavores idênticos em
todos.
Dizia Gilberto Freire: "E havia ainda o Papa-Figo -
homem que comia fígado de menino. Ainda hoje se afirma em Pernambuco que certo
ricaço do Recife, não podendo se alimentar senão de fígados de crianças, tinha
seus negros por toda parte pegando menino num saco de estopa."
Na terapêutica contra a Lepra, o banho do sangue humano e a
degustação do fígado, especialmente das crianças, são remédios tradicionais.
Hermeto Lima conta a horripilante estória da Onça, uma velha leprosa que, a
consellho dos ciganos, furtava as crianças da "Roda dos Enjeitados",
para banhar-se no seu sangue. Só depois de morta a polícia soube das
monstruosidades que cometera.
De depoimentos dos leprosos da época, entre todos, era
corrente a ideia de que a Lepra não era doença da pele. Era crença firme entre
todos, que a Lepra era doença do sangue, o sangue está impuro. E muitas doenças
ainda conservam nomes decorrentes dessa crença: Sangue Novo (urticária), Calor
do Sangue (tinha), Calor do Figo, etc.
Assim, depurar, reforçar o sangue era a única terapêutica
que lhes assegurava a tradição secular. Como o sangue vem do fígado, tratar,
melhorar o fígado, era o único meio de cura, o resto, para eles, era perda de
tempo. "Um fígado doente trata-se com um fígado sadio", era a firme convicção,
o coro, daqueles infelizes acometidos pelo mal.
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