O Vão do Paraná, aquele grande vale de sessenta léguas,
formado pelas ramificações que correm para o Norte do Estado do espinhaço da
Serra Geral, é o "habitat" do Pé-de-Garrafa. Coberto de extensas
florestas, verdadeiras muralhas verdes que abrigam os cursos dos rios, o Vão do
Paraná é uma região misteriosa, em que o homem se sente assoberbado pela
natureza. Metido na mata sombria, remendada aqui e ali por pedacinhos do céu
azul, o homem sente-se penetrado do terror da natureza.
E o estalido da
folha seca que o mateiro pisou cauteloso, o pio agudo dum pássaro, o farfalhar
das mantilhas de folhagens seguras do ombro alto dos troncos, ao sopro do vento
- o fazem estremecer e arrepiar.
A mata com seu
exército de troncos impassíveis, com seus ruídos misteriosos estofados de
silêncio, é deveras assombrosa. A imaginação aí fervilha. E o terror cria
duendes e gênios, que povoam os recessos intrincados e sombrios e trançam nas
encruzilhadas dos caminhos. Se o caminheiro topa dois galhinhos cruzados em seu
trilho, salta-os se benzendo - foi o Saci que os dispôs assim no caminho.
Se o ouvido alerta
escuta um grito agudo, estaca anelante, pálido. Repetindo, retrocede apavorado
- é o Pé-de-Garrafa - o gênio mau da mata, corpo de homem, preto, umbigo
branco, um pé só em forma de fundo de garrafa. Vive gritando pelas matas à
procura de caminho. Não se deve responder, senão vai aproximando,
aproximando... e ninguém sabe, mas deve suceder algo horrível. Habita só as
matas fechadas. Lenhadores, caçadores e viajeiros, já ouviram seus gritos
pavorosos; ou pularam agoniados seus grandes rastros no chão úmido.
Outros entretanto
informam que o Pé-de-Garrafa é assim: tem um chifre só na cabeça, um olho só na
cara, uma única mão, com garras, e um pé só redondo como fundo de garrafa, que
lhe dá o nome. Se alguém o encontrar, declaram estes informantes, é um perigo:
torna-se uma fera terrível e só se pode acertar o tiro no umbigo, único ponto
branco e vulnerável.
Contam até que um
fazendeiro, passando por uma, mata vizinha de sua fazenda, ouviu o grito do
Pé-de-Garrafa. Como era valente e não temia nada, respondeu, com outro grito. O
grito então veio se aproximando, aproximando, cada vez mais forte, mais
pavoroso, até que o fazendeiro horrorizado, esporeou o animal, abalando pela
estrada a fora, à toda, chegando esbaforido à fazenda, onde contou o caso.
TEIXEIRA, José A. Folclore Goiano: cancioneiro, lendas,
superstições. 2ª ed. Rev. e ampl. Vol. 306. São Paulo: Companhia Editorial
Nacional, 1959.
Matéria: Leitora Pepita Afiune
Meus sinceros Agradecimentos.
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