terça-feira, 30 de junho de 2015

Azar

A galope, a galope, o Cavaleiro chega:
Rei, ó meu bom senhor! com tua filha cega.

- Hoje, teu advinho assim traçou no ar:
A frota d'El-Rei perdeu-se no alto mar!

Eu, ao descer a noite, ouvi cantar o galo:
Foi a Rainha que fugiu com um teu vassalo.

Teus exércitos, oh! as brônzeas legiões,
Morreram nos areais da Líbia como leões!

Nos teus domínios sopra o vento Noroeste:
A mangra, o gafanhoto, a sêca, a ânfora, a peste.

Uivam! Lôbos? o Mar? o Vento? o Temporal?
Não. É a plebe que arrasta o teu manto real.

Lá vêm as três, ó Rei, lá vêm as três donzelas...
Tende piedade, meus irmãos, orai por elas!

Vêm tão brancas dizer que as noras sensuais
D'El-Rei mataram seus maridos com punhais.

Tuas pratas, teu oiro, e mais ricas alfaias,
Roubam do teu palácio os fâmulos e as aias.

Teu diadema, o cetro, as plumas e os Broquéis,
Em poeira, e sangue, e sob a pata dos corcéis!

O povo reza, que doçura! É bom que reze!
Pela tua alma... Já são horas... Quantas?... Treze.

Maldito seja quem trono nem reino tem!
Maldito seja o Rei! Maldito seja! Amém!

No vinho que te dão, e no teu melhor pomo,
No manjar mais custoso, onde entre o cinamomo,

Na linfa clara, vê, no leito ebúrneo, sei,
Nas palavras, no ar, dão-te veneno, Rei!

Ouvem os Arlequins missa, todos de tochas,
E estão vestidos de sobrepelizes roxas.

Resmungam baixo teu nome as velhas, e assim
Queimam em casa, cruz! a palma e o alecrim.

Estão rezando por ti muitos padre-nossos;
Os cães estão, porém, à espera de teus ossos.

Ó ventos! ó corvos! que estais grasnando no ar!
Eis o cadáver do bom Rei de Baltasar!

Dlom! dlem! dlom! dlem! Ouve, bom Rei, de sêrro a sêrro,
Os sinos dobram, ai! dobram por têu entêrro.

Ó ventos! ó corvos! que estais grasnando no ar!
Eis o cadáver do bom Rei de Baltasar!

Ventos, ó funerais! ventos, lamentos roucos,
ó ventos roucos, ó redemoinhos loucos!

Dlom! dlem! dlom! dlem! Bom Rei, teus ossos não são teus,
Nem o trono é teu! Louvado seja Deus!

Nem a tua alma é tua, ó Rei, depois de morto,
Pois demônios estão dançando num pé torto!

Maldito seja quem Trono nem Reino tem!
Maldito seja o Rei! Maldito seja! Amém!

E a galope, a galope, o Cavaleiro esguio

Vai pregar a outro Reino: a Doença, a Noite, o Frio!

Emiliano Perneta


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