sexta-feira, 3 de julho de 2015

"Nathicana" - H.P. Lovecraft

Foi no pálido jardim de Zais;
Os nevoentos jardins de Zais
Onde enflora o argênteo nephalot
Que fragrante a meia-noite anuncia.
Ali dormem cristalinos lagos
E regatos que escorrem silentes
Doces riachos das grutas de Kathos
Do crepúsculo, o berço sereno.
E cruzando por lagos, regatos,
Ficam pontes de puro alabastro,
Brancas pontes gentis cinzeladas
Como figuras de fadas e duendes.
Brilham ali sóis estranhos, planetas
E estanha é a crescente Banapis
Que se põe nas colinas relvosas
Onde adensa, na tarde, o crepúsculo.
Ali baixam os vapores do Yabon;
Alvos, lassos vapores do Yabon;
Foi ali, na voragem das névoas
Que avistei a divinal Nathicana;
De grinalda, virginal Nathicana;
Negras mechas, esguia Nathicana;
Olhos negros, gentil Nathicana;
Lábios rubros, querida Nathicana;
Voz argêntea da doce Nathicana;
Vestes alvas da amada Nathicana.
E minha amada ficou para sempre,
Desde o tempo em que tempo não havia
Desde o tempo em que estrelas não havia
E que nada existia salvo o Yabon.
E vivemos em paz pelos tempos,
Inocentes crianças de Zais,
Percorrendo cainhos e arcadas
Coroadas com a alva nephalot.
Quanta vez ao crepúsculo vogamos
Sobre pastos, colinas floridas
Alvejadas pela humilde astalthon;
A humilde e graciosa astalthon,
E sonhamos num mundo de sonhos
Belos sonhos, mais belos que o Éden;


Sonhos puros, mais reais que a razão!
E por eras sonhamos, nos amamos,
Até a horrenda estação de Dzannin;
Remaldita estação de Dzannin;
Onde rubros eram os sóis, os planetas,
Onde ardia a crescente Banapis,
Rubros vinham os vapores do Yabon.
Encarnavam-se as flores, os regatos
Sob as pontes, os lagos serenos,
E até mesmo o suave alabastro
Refletia escarlates sinistros
Tal que as fadas e duendes entalhados
Espreitavam encarnados das sombras.
Vermelhou-se-me agora a visão.
E pela densa cortina espreitando
Louco vi a etérea Nathicana;
A inocente, sempre alva Nathicana
Adorada, intocada Nathicana.
Mas cumuladas vertigens de insânia
Enevoaram-me a difícil visão;
A maldita, avermelhante, visão
Refazendo o mundo em meu ver;
Novo mundo escarlate e sombrio,
Um horrendo estupor, o viver.
Mergulhado no estupor do viver
Vejo claros fantasmas da beleza
Ocos, falsos fantasmas da beleza
Mascarando as maldades de Dzannin
Eu os vejo com infinita saudade,
Tal qual minha amada os vê:
Mas seu mal brilha em seus olhos turvos;
Seu pungente, impiedoso mal
Mal maior que o de Thaphron ou Latgoz
Mais cruel pois que oculto no belo.
E somente no sono da meia-noite
Vejo a dama perdida, Nathicana,
Vejo a pálida, pura Nathicana,
Desfazendo-se ao olhar sonhador.
E incansável procuro por ela;
E procuro entre goles de Plathotis
Fermentando no vinho de Astarte
Engrossados por lágrimas incessantes.
Eu anseio pelos jardins de Zais;
Jardins belos, perdidos, de Zais
Onde o alvo nephalot floresce.
Da meia-noite o arauto fragrante.
O fatal sorvo final vou urdindo;
Sorvo tal que deleite os demônios;
Sorvo tal que a vermilhão encerre;
O horrível estupor que é o viver.
Muito em breve se a mistura for certa
Vermelhão e insânia se irão,


E apodrecerão no negror verminoso
Vis cadeias que me escravizavam.
E os jardins de Zais novamente
Serão alvos em minha magoada visão
E ali, entre os vapores do Yabon,
Estará a divinal Nathicana;
Restaurada a imortal Nathicana,
Outra igual, entre os vivos, não há.


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