segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Além da Campa


N'um povo, perto de Cintra,
foi o reverendo prior
em fria cova depôr
o cadaver d'um pelintra
mesmo ao pé d'um seu crédor.

Apenas se viram juntos
por toda a vida sem fim
romperam n'um tal chinfrim
que, dizem velhos defuntos,
ser virgem um caso assim.

"Vossê pague! ai que vae torta!"
gritava o crédor. - Com quê? -
gemia o outro. - Não vê
que entrei nú naquela porta
porque nú me poz vossê?! -

E n'este rosnar eterno,
n'este diz tu direi eu,
o crédor, que era judeu,
enreda o outro n'um inferno
como o inferno em que viveu.

Se em meu derradeiro instante
eu tiver crédor voraz,
permite, ó Deus, se te apraz,
que por cá fique o tratante

p'ra que eu, morto, viva em paz.

Francisco Palha


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