O episódio “O Afanador de Gasolina” ("The Gas
Bandit"), do Pica Pau, é o último episódio da fase “Pica Pau Biruta”.
Depois dele, começou a fase do Pica Pau “light”, mais fofinho.
O motivo dessa mudança foi a pressão que muitos pais dos
EUA fizeram sobre os estúdios Universal. O Pica Pau biruta era considerado uma
apologia às drogas, além de ter provocado inúmeros casos de pesadelos entre
crianças.
Mas o criador do personagem, Walter Lantz, não concordou
prontamente com a mudança. Como naquela época, início dos anos 40, o Pica Pau
ainda estava longe do sucesso que conseguiria posteriormente, Lantz disse que
preferia cancelar o personagem a vê-lo se transformar em algo completamente
diferente do planejado.
O autor conhecia as artimanhas dos estúdios, e sabia que
a única maneira de realmente pôr um ponto final no assunto seria matar o
personagem. Escreveu o roteiro, reuniu um pequeno grupo de animadores de sua
confiança e gravou a história. Era exatamente “O Afanador de Gasolina”. Mas em
uma versão um pouco diferente do que a conhecemos.
Dias antes da exibição desse episódio, a Universal
ofereceu a Lantz uma compensação financeira bastante vantajosa, que finalmente
fez o criador aceitar continuar com o personagem.
O episódio da morte do Pica Pau teve que ser, então,
reformulado às pressas. 95% dele pôde ser aproveitado, tendo sido modificado
apenas o final. Para ser mais exato, também foi acrescentada uma fala no começo
do episódio, quando o Pica Pau diz "I'm a necessery evil" ("eu
sou um mal necessário", que na dublagem ficou "eu sou um diabo
necessário"). Isso mostra claramente o ponto de vista de Lantz sobre as
mudanças que viriam: eram um "mal necessário".
A fita do episódio original, no qual o personagem morre
de verdade, era fácil de ser achada entre os inúmeros arquivos da empresa de
Walter Lantz. Isso mudou no final da década de 50, quando a popularidade do
Pica Pau aumentou incrivelmente. O criador resolveu então escondê-la, por saber
como ela poderia ser frustrante para os fãs.
Em meados dos anos 90, um grupo de estagiários foi
convocado para vasculhar os antigos arquivos dos estúdios de Walter Lantz. O
objetivo era achar algumas animações raras e fazer um VHS comemorativo com
elas. Uma das fitas encontradas era a do episódio cancelado. Após assistirem,
seis dos estagiários pediram desligamento do projeto, assustados e
decepcionados com o que viram. Os outros a encaminharam para o coordenador, que
imediatamente guardou a fita para si e pediu que todos esquecessem “aquela
bobagem”. Não se sabe o que ele fez com ela.
O coordenador não sabia que um dos estagiários havia dado
um jeito de gravar uma cópia precária do episódio, filmando a tela do monitor
com uma câmera amadora. A gravação foi digitalizada e chegou a ser divulgada na
internet. Contudo a rede mundial ainda não tinha a agilidade de repercussão de
hoje, e a empresa de Lantz conseguiu com êxito estancar a circulação do vídeo.
Voltando aos roteiros: Curiosamente, na versão editada
(que foi ao ar) o Pica Pau de fato “morre” após uma grande explosão, virando um
anjo. No entanto isso é mostrado de uma forma “leve”, que, somada ao estilo
non-sense do personagem, em nenhum momento despertou no público a impressão de
que ele pudesse de fato ter morrido, chegado ao fim.
Na versão cancelada, a sequência é diferente:
Após a explosão, a câmera mostra o Pica Pau e o policial
em cima de uma pequena nuvem, um ao lado do outro, ajoelhados, olhando para a
Terra embaixo, chorando. Não têm asas nem auréolas. São desenhados em cores de
leve transparência, que indicam serem dois espíritos. O cenário é todo em cores
acinzentadas, como se estivesse prestes a cair um temporal. A trilha de fundo é
profundamente triste, depressiva. É colocada em baixo volume. A intenção é dar
total ênfase ao choro deles.
A câmera corta para um close do rosto do policial. As
mãos estão na cabeça, arrancando em desespero pedaços de pele. Seu choro é
realmente sofrido, de uma veracidade perturbadora. Cortam a imagem para a
terra, onde se vê o corpo do policial em pedaços, como um brinquedo desmontado.
Todos os membros e a cabeça estão separados do tronco. Não há sangue ou
vísceras, mas isso não alivia o impacto da cena. Corta para a cabeça. A boca
está entreaberta, dela escorre um pequeno filete de saliva; os olhos, bem
arregalados, têm as pupilas muito pequenas, sem brilho, fitando o nada.
Volta para a imagem dos dois chorando na nuvem. Ela dura
exatos 6 segundos, e cortam para um close do rosto do espírito do Pica Pau. Seu
choro não apenas é perturbador, como parece ser um desesperado ataque de alguém
que está perdendo a sanidade mental (nada mais apropriado para um biruta).
Outro ponto que chama a atenção é que a voz do choro parece ter sido feita por
outra pessoa, que não o dublador original do personagem. Especula-se fortemente
que seria a voz do próprio Walter Lantz. Essa hipótese, embora forte e
coerente, nunca foi confirmada.
Cortam para o corpo do Pica Pau, que também está em
pedaços. Em seguida, mostram a cabeça em close. Vê-se bico aberto, faltando um
pedaço da ponta e com a língua para fora. Os olhos arregalados mostravam as
pupilas grandes como sempre, mas com uma diferença fundamental: as íris, em vez
de verde como costumavam ser, estavam totalmente negras.
Diminuem aos poucos o volume da música triste, até
desaparecer. Escuta-se apenas o choro do Pica Pau (o choro de Lantz?)
acompanhando a imagem da cabeça. A tela vai escurecendo até ficar completamente
preta, ainda se escutando o choro do espírito.
Aparece o “The End”.
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